
“No céu do Contestado, onde começou a história da aviação militar brasileira, não se ouve mais o ronco dos motores dos aeroplanos Morane-Saulnier, mas permanece no imaginário um verdadeiro balé do vaivém dos aviões que cruzavam os ares, deixando um rastro de paixão pelas loucas máquinas voadoras. Estas, ao cortarem o céu em mil movimentos, desenhavam um espetáculo ímpar de manobras aéreas, eternizando, com a vida, a luta pela paz.”
O texto do professor e historiador Aluizio Witiuk está atualmente exposto na Praça Capitão Ricardo João Kirk, na cidade de Porto União, em Santa Catarina.
A cidade, localizada na fronteira com o Paraná, foi palco de um dos mais sangrentos conflitos internos da história do Brasil: a Guerra do Contestado, ocorrida entre 1912 e 1916. Foi nesse contexto que o Exército Brasileiro (EB) empregou, pela primeira vez, aeronaves em operações militares, um marco histórico liderado pelo então 1º Tenente Ricardo Kirk, atendendo à solicitação do comandante das forças legais, General Setembrino de Carvalho. Na época, Kirk já era considerado uma referência dentro da Força em atividades aeronáuticas.
Nascido em 23 de março de 1874, Ricardo Kirk ingressou no Exército em 1891 e cursou a Escola Militar da Praia Vermelha, sendo promovido a alferes da Arma de Cavalaria em 1894. Em 1912, realizou o curso de pilotagem na École d’Aviation d’Etampes, na França, onde conquistou o brevê internacional n.º 1089, tornando-se o primeiro piloto aviador militar do Exército Brasileiro.
Ao retornar ao Brasil, foi designado diretor da Escola de Aviação do Aeroclube Brasileiro e, posteriormente, instrutor da recém-criada Companhia Aeronáutica, embrião da Aviação Militar.
No início de 1915, quando o Exército decidiu empregar meios aéreos no Contestado, coube a Kirk o comando do Destacamento de Aviação, iniciando a concentração estratégica dos vetores aéreos e as primeiras atividades operacionais. Em 1º de março daquele ano, após valiosa contribuição ao conflito, decolou para sua última missão.
Durante um voo de reconhecimento com bombardeio no reduto de Santa Maria, encontrou condições climáticas severas e baixíssima visibilidade. Ao colidir com um alto pinheiro, sua aeronave caiu, resultando na morte do aviador. Menos de um mês após seu falecimento, foi promovido postumamente ao posto de Capitão e, em 2021, foi eternizado como Patrono da Aviação do Exército.
Os feitos do Capitão Ricardo Kirk na Guerra do Contestado ecoam até os dias de hoje, inspirando os militares que seguem seu legado na Aviação do Exército. Essencial ao apoio das operações militares, a Aviação do Exército proporciona aeromobilidade à Força Terrestre em todo o território nacional. Atuando em diversas funções de combate, tanto em operações de guerra quanto em missões de paz, permite a intervenção nos domínios aéreo, terrestre e eletromagnético, contribuindo para a convergência de esforços operacionais.
Desde sua recriação em 1986, a Aviação do Exército tem sido amplamente empregada em diversas operações. Seja na defesa das fronteiras contra grupos paramilitares durante a Operação Traíra (1993), no combate ao tráfico de ilícitos nas Operações Ágata, no apoio à mobilidade e flexibilidade das tropas terrestres em grandes eventos, como as Olimpíadas Rio 2016, ou na Garantia da Lei e da Ordem, como na Intervenção Federal no Rio de Janeiro (2018), sua presença tem sido indispensável. Além disso, tem desempenhado um papel fundamental em ações humanitárias, como nas Operações São Sebastião (2023) e Taquari (2024), em resposta a calamidades públicas.
O atual desdobramento da Aviação do Exército possibilita atender às estratégias de dissuasão e presença. No Forte Ricardo Kirk, em Taubaté (SP), estão sediados o Comando de Aviação do Exército (CAvEx), os 1º e 2º Batalhões de Aviação do Exército (BAvEx), o Centro de Instrução de Aviação do Exército (CIAvEx), o Batalhão de Manutenção e Suprimento de Aviação do Exército (Btl Mnt Sup Av Ex), a Base de Aviação de Taubaté (Ba Av Taubaté) e a Companhia de Comunicações de Aviação do Exército (Cia Com Av Ex). Em Campo Grande (MS), subordinado ao Comando Militar do Oeste, encontra-se o 3º BAvEx.
No norte do país, há o 4º BAvEx, em Manaus (AM), vinculado ao Comando Militar da Amazônia, e o Destacamento de Aviação do Exército do Comando Militar do Norte (Dst Av Ex/CMN), a mais recente unidade do sistema. Em Brasília (DF), a Chefia de Missões de Paz e Aviação do Comando de Operações Terrestres coordena o emprego e a segurança de voo das unidades aéreas, enquanto a Chefia de Material de Aviação do Exército, vinculada ao Comando Logístico, garante a sustentabilidade logística dos meios aeronáuticos. Dessa forma, a Aviação do Exército se faz presente nos mais variados ambientes operacionais, contribuindo para a prontidão da Força Terrestre.
A formação e a especialização de recursos humanos são prioridades para a manutenção dos elevados níveis de operacionalidade da Aviação do Exército. Inspirado no pioneirismo de Ricardo Kirk, o CIAvEx desempenha um papel fundamental na qualificação de pilotos, gerentes, observadores aéreos, mecânicos de voo, inspetores e demais especialistas do sistema. Essa formação ocorre por meio de instruções teóricas, práticas e simuladas, com grande investimento no uso de dispositivos de simulação para voo e apoio ao voo, garantindo maior segurança operacional e eficiência no uso dos recursos.
A constante evolução tecnológica é premissa para o eficiente emprego dos vetores aéreos. Nesse sentido, a modernização das aeronaves HA-1A Fennec AvEx e HM-1A Pantera K2 reforça o compromisso do Exército Brasileiro em manter meios aéreos seguros e aptos a operar em todo o espectro dos conflitos, tanto diurnos quanto noturnos. Além disso, a incorporação das aeronaves HM-4 Jaguar e HM-2A Black Hawk aumentará a capacidade dissuasória e de aeromobilidade da Força Terrestre. No mesmo contexto, a introdução dos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP) vem expandindo as possibilidades de atuação da Aviação do Exército, especialmente em inteligência e apoio de fogo.
Combinando tecnologia, recursos humanos altamente qualificados e presença estratégica, a Aviação do Exército reafirma seu papel essencial nas operações militares e no apoio à sociedade brasileira, especialmente em regiões remotas onde sua atuação faz a diferença. Sua missão precípua é proporcionar aeromobilidade, ampliando o poder de combate da Força Terrestre em diferentes cenários, e essa missão vem sendo cumprida com excelência.
No dia em que se comemora a Aviação do Exército, 23de março, relembram-se os feitos heroicos do seu patrono, o Capitão Ricardo Kirk, que sacrificou sua vida em defesa da Pátria. Também se enaltece o trabalho árduo dos integrantes da Aviação do Exército, legítimos herdeiros de seu legado, que levam adiante sua dedicação, abnegação e pioneirismo nos mais longínquos rincões do Brasil.
Informações do Exército Brasileiro
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